O Clube dos Amigos de Vieira – CAVA – realizou no dia 28 de Setembro, no Auditório Municipal de Vieira do MInho, a sua segunda conferência. Estiveram em debate “os jogos do poder na comunicação social” com dois comunicadores bem colocados para falar do tema: Rui Rio, presidente da Câmara Municipal do Porto, e o jornalista da TVI Júlio Magalhães. Moderou Maria Helena Gonçalves, professora de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho.

Cerca de 200 pessoas assistiram, durante quase três horas, a um animado colóquio em certos momentos revelador dos jogos de poder versus comunicação social, jogos esses em que os dois convidados nem sempre estiveram de acordo. No início da conferência, Maria Helena Gonçalves sublinhou a diferença entre comunicar e informar. Destacou a ideia de que não há na comunicação social uma objectividade pura. Na verdade, segundo o seu pensamento, o jornalista (ou o opinador), “ao seleccionar, organizar, interpretar, ajuizar” faz entrar na informação as suas tendências, as suas emoções. A “realidade é sempre uma realidade construída”. O repto que ficou da moderadora foi o convite à comunicação social para que seja motora de mudança de comportamentos. A intervenção mais reveladora foi a de Júlio Magalhães. Bem colocado no terreno jornalístico, falou da “sua TVI”. Historiou as dificuldades desta estação televisiva, a sua quase inviabilidade, até à entrada de Eduardo Moniz. Então, tudo se transformou. Júlio Magalhães revelou a estratégia de crescimento da TVI toda orientada para as audiências, para os gostos do público (o Big Brother é disso exemplo) . E não há, em televisão “outra hipótese, a não ser os gostos do telespectador”. E até o alinhamento informativo se submete a estes gostos. Nos jornais televisivos da TVI “não havia, nem há inverdades; havia e há empolamentos”. Esses jornais eram – e são, apesar de agora, com a Prisa, haver uma política informativa diferente – orientados essencialmente para a sociedade, para a saúde e, só depois, para a política, para o estrangeiro.

“A sociedade é que muda a TV”
Júlio Magalhães revelou algumas atitudes, aparentemente caricatas, no jogo das audiências ao nível da informação: o acompanhamento ao segundo dos telejornais das concorrentes; o ir ou não para o intervalo; a entrada desta ou daquela peça. É uma guerra “ao segundo” , “uma marcação implacável”. As estratégias televisivas apontam sempre para a saúde financeira da empresa, lembrou Júlio Magalhães. A aposta na informação, no divertimento, nas telenovelas, foi o grande passo da TVI para a situação actual de domínio da audiência. E, nesses vectores, o que presidiu foi o “gosto das mulheres”. Daí, o distanciamento, nessa fase, do desporto (sobretudo do futebol). Consolidadas as audiências, partiu-se então para o futebol. E o poder? O poder que domina a comunicação social, como a vida portuguesa, é, segundo o jornalista da TVI, o poder económico, e só depois o poder político. A comunicação social já não é contra-poder, é poder, e os políticos servem-se deste poder. Para Júlio Magalhães, a televisão não muda a sociedade. A sociedade é que muda a televisão.

Rui Rio. “Há e não há liberdade”
A segunda intervenção foi de Rui Rio, o conhecido presidente da Câmara do Porto. É um político incomodado com a comunicação social. A sua aposta é na criação de um normativo que crie regras claras para os diversos agentes. A ausência de regras gera a impunidade, disse o autarca. “Uma coisa na comunicação social é muito feia: pensam que eu não penso” pensa Rui Rio. No nosso país, “há liberdade democrática, mas não há liberdade de informação”. Mas, há liberdade ou não? “Digo que não”. “Em Portugal há censura – não a do lápis azul de antes do 25 de Abril”. Para Rui Rio “há duas lógicas”. A lógica mediática, “on-line, sem tempo, sem reflexão, sem ponderação. Que cria espectadores”, e há a lógica política, com os cidadãos, seus deveres, seus direitos, com agentes que agem “com tempo, reflexão, ponderação”. Na relação entre as duas lógicas “não há mecanismos de defesa”. Rui Rio apontou vários exemplos de abusos da comunicação social: Casa Pia, violações do segredo de justiça, transmissão de escutas… E acusou: “Há uma suspeição permanente sobre os políticos. Cada vez há menos gosto para ser político. A política está cada vez mais em baixo”. Por outro lado, há a tentação dos políticos de olhar as pessoas mais como espectadores do que como cidadãos…” E concluiu: “Ditadura clássica? Não existe. Democracia? Não existe”, até porque “o poder político é fraco”.

Helena Gonçalves fez a síntese das intervenções. Apelou à articulação de valores, a uma regulação que crie direitos e deveres. Seguiu-se um período de perguntas. Nas respostas os dois conferencistas reforçaram os seus pontos de vista. Houve um momento de forte discordância entre Rui Rio e Júlio Magalhães. Para o primeiro, este Governo não controla, nem pressiona a comunicação social. Para o jornalista da TVI, que está no terreno, este Governo controla “e muito” a comunicação social: há jornalistas “colocados para o fazer”. Júlio Magalhães denunciou a concentração da visibilidade dos jornalistas e comentadores em Lisboa. Bons e maus têm importância e protagonismo no mundo da informação na capital. Os bons do Norte desaparecem naquela constelação de estrelas, “em que vence a mediocridade” a par dos favores políticos.

Filipe de Oliveira: “Vários poderes na comunicação social”
Na qualidade de presidente do CAVA, Filipe de Oliveira anunciou, ao terminar a conferência, o lançamento do livro “A afirmação do amor num mundo de violência” que inclui as intervenções de Júlio Machado Vaz, José Pinto da Costa e Maria Geraldes, na primeira conferência temática CAVA. Depois de sublinhar “a real influência da comunicação social sobre os comportamentos na sociedade, na moda, na linguagem, nos tiques, usos e costumes”, Filipe de Oliveira destacou que o objectivo actual dessa comunicação social “inverteu-se: até que ponto as pessoas influenciam as mensagens dos meios de comunicação social. Ora, esta influência faz-se, em várias vertentes (...) Assim, nota-se que são vários os poderes que os meios de comunicação social se deparam no seio da sociedade, entre eles, o poder político e a prepotência das fontes de informação”. O Presidente do CAVA agradeceu aos conferentes e à moderadora o seu contributo nesta conferência e disse aguardar “o repensar da nossa relação com os órgãos de comunicação social, exigindo critérios mais claros e transparentes no modo como transmitem a informação”. Concluiu, citando Léon Blum: ”A dificuldade não está em dizer a verdade, mas em dizer toda a verdade”…